Esta é a Clarinha e foi encontrada na rua! Tinha feito o meu último exame da epóca normal, o relógio marcava as 17 horas e o cansaço era visivel em mim. Á porta da Faculdade de Letras conversava com uma colega e faziamos planos para as férias, quando vejo ao longe uma cadela com um olhar simpático e um corpo magro pela ausência de uma alimentação equilibrada e farta. Vem ter comigo sem eu lhe ter dado um olhar de simpatia, lambe-me as mãos, abana imenso o rabo e fico "apaixonada". Algo me tocou cá dentro como uma daquelas ideias que não sabemos de onde veio e não nos deixa percepcionar os perigos que o seu cumprimento pode trazer. Reparei que era uma cadela, que estava bastante suja e que tinha carraças... e decidi sem pensar duas vezes e sem medir as consequências da minha ideia, que estava ali algo que podia "fazer" nas férias: procurar um dono para aquele animal perdido!
Fui contra a minha amiga que me tentou dissuadir por ter a noção exacta da realidade e por saber que a adopção, ainda que precária, me iria trazer problemas. Mas tenho a certeza que se não tivesse trazido a cadela para casa não ia conseguir dormir nessa noite. Porque? Não sei, mas algo nela foi demasiado forte para a deixar para trás. Obviamente que não foi o primeiro animal abandonado que tinha visto na rua, tantos outros já tinham despertado em mim o sentimento de pena e compaixão e vontade de os acolher, mas aquela cadela tinha algo de especial que fez ressaltar toda a "coragem" que deve existir em mim.
Em casa obviamente que os meus pais não gostaram da ideia, os problemas e discussões surgiram de forma persistente e assombrosa, e impuseram-me um limite para a adopção: ao fim de quinze dias ou alguém a acolhia ou ela ia para o canil. Procurei, procurei, coloquei anúncios, perguntei, enviei emails, desesperei, torci, mas ao fim de quinze dias não tinha conseguido ninguém. Nem as instituições de acolhimento de animais abandonados tinham espaço para a acolher porque estavam completamente cheias: estavamos em ínicios de Julho, a época alta do abandono de animais.
No 16º ou 17º dia em que ela estava cá em casa (o meu pai deixou de contar os dias felizmente e na verdade brincava com a cadela às escondidas... somos pai e filha, também não podemos ser assim tão diferentes), estava a falar com um amigo com quem não falava à imenso tempo, e entre perguntar pelas novidades surgiu a pergunta desesperada: "Queres uma cadela, ou conheces alguém que queira?" Expliquei-lhe a situação, ele disse que temporariamente a mãe não se ia importar de ficar com ela, e assim aconteceu, para grande regozijo meu. Mas esta história tem um final ainda melhor do que o esperado: eles não ficaram com a Clarinha temporariamente mas sim eternamente! Como ela é uma cadela amorosa, energética a 100 % (tudo aquilo que possam imaginar num cão energético, subtraiam por 1000 e aí está o nível de energia da Clarinha!), e que irradia amor e carinho nas 24 horas do dia, e também porque é linda, eles decidiram ficar com ela para sempre.
Não conseguia imaginar ir entregá-la ao canil depois de me ter afeiçoado tanto a ela, depois de lhe ter garantido que ia arranjar alguém para tratar dela... mas consegui! E, apesar de todas as chatices que este acto me possa ter trazido, se fosse hoje faria da mesma forma! Quando vejo um animal na rua ninguém imagina o desejo enorme que me assalta de o trazer para casa, mas a consciência de que é um acto louco e de que não ia conseguir encontrar um dono, faz-me ficar quieta e nem sequer lhe fazer uma carícia. Prefiro não lhes tocar e nem olhar para eles, para que o sentimento de compaixão não me assole como naquele mês de Julho. Sei que é cínico e arrogante da minha parte, mas é a minha forma de me defender desta situação.
Já não vejo a Clarinha há uns meses mas acredito que ela esteja bem. Meses depois de a ter entregue à sua família de acolhimento fui visitá-la, e acreditem que ela ainda se lembrava de mim, tamanha foi a alegria dela e agradecimento pelo que fiz. Obviamente que não foi ela que me disse tudo isto, mas só quem nunca teve animais é que julga que eles não conseguem falar de outras formas que não a verbal.
Já não vejo a Clarinha há uns meses mas acredito que ela esteja bem. Meses depois de a ter entregue à sua família de acolhimento fui visitá-la, e acreditem que ela ainda se lembrava de mim, tamanha foi a alegria dela e agradecimento pelo que fiz. Obviamente que não foi ela que me disse tudo isto, mas só quem nunca teve animais é que julga que eles não conseguem falar de outras formas que não a verbal.
Hoje é o Dia Mundial do Animal, e custa-me pensar que há milhões de cães como a Clarinha: abandonados por alguém que eles amam, respeitam e por quem dariam a sua própria vida. Há um cliché em que muitos não acreditam, que dita que os animais são o nosso melhor amigo. Pelas histórias que já tenho, pelas memórias, por tudo o que já me aconteceu, não tenho a menor dúvida de que essa é a maior das realidades. E por isso neste dia dedicado aos meus melhores amigos, uso este espaço público para tentar incutir alguma responsabilidade e regras nas pessoas. Não abandonem os animais!! Não há qualquer razão lógica para o fazerem... e como humanos e seres racionais não temos nenhuma desculpa ou razão para cooperarmos numa tamanha crueldade. E mais, lanço também um apelo para que quando pensarem em comprar um cão de uma raça X ou Y, pensem na quantidade enorme de animais que estão nos canis ou nas inúmeras associaçoes de acolhimento existentes no nosso país. Tantos animais à espera de serem amados, e vamos dar dinheiro apenas porque gostamos da raça... a mim não me soa a algo com lógica! E acho que a maioria das pessoas sabe a paixão que tenho pelos pastores alemães, mas nunca na vida iria comprar um, sabendo que um rafeiro qualquer, ou até mesmo um pastor alemão, estava à espera de amor, de uma casa e de um dono, num qualquer local.
Vamos ser humanos nem que seja por uma vez na vida!
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