Acabei de ler um desafio imposto às minhas palavras. Nunca fui muito boa nestas coisas, nas palavras ditas ora escritas, aquelas que são sentidas aqui por dentro. Que nem sempre são fáceis de explicar,nem para mim própria, mas sei que é necessário para ultrapassar o medo, tentar e prestar uma justa homenagem a quem de direito o merece.
Tudo o que não nos sai da cabeça, aquilo que chamamos de especial, não acontece felizmente muitas vezes ou não seria considerado especial. E já senti um género de "plim" por duas vezes na vida, um com uma música e outro com uma pessoa. Um dia acordei com o rádio ligado pela minha irmã, e uma melodiosa música fazia-se ouvir. Enquanto acordava, pensava em como aquilo soava bem, e já cantarolava umas partes da música. No final os meus ouvidos pediram-me mais e perguntei à irmã mais velha de quem era aquela coisa tão bela. A resposta foi um insaciável "não sei". Coincidência ou não, dois dias depois, a mesma irmã apareceu em casa com uma cassete (sim, essas belas coisas em vias de extinção) e no meio de muita música de diferentes bandas, lá estava a "minha" música. Chama-se "Come As You Are - Nirvana" e estranho é pensar como tantos anos passados ainda me lembro de tudo como se estivesse agora a suceder. A magia do momento, da descoberta! A cassete foi imediatamente raptada e a fita foi ouvida vezes sem conta durante esse dia. Na escola perguntei se alguém conhecia, e ninguém me ajudou em alargar o meu conhecimento. Sentia-me desesperada, com fome de mais, de ouvir aquela voz, aquela melodias. Outras melodias. Saber mais sobre a banda, quem eram, de onde vinham, quando começaram, quantos álbuns já tinham editado.
Até que me apareceu a Baby, a minha grande professora do grunge, a minha grande amiga desses belos tempos de adolescência. Os irmãos, mais velhos, eram loucos por tudo aquilo que vinha de Seattle. Um deles assistiu mesmo ao concerto dos Nirvana em Portugal em 92. Como o invejei. Era-me impossível sequer sonhar com isso, ou conquistar um "sim" do meu pai em relação a isso. Sobretudo quando na televisão e nas revistas, os Nirvana apareciam como uns drogados, com música dita "pesada" para os mais velhos, e vestidos como uns maltrapilhos. Influências não desejadas por um pai estremoso como o meu. Nunca na vida eu poderia passar a minha adolêscencia e juventude a adorar personagens deste género. Lá tive de me acalmar nas compras das revistas que traziam o que quer que fosse sobre eles, na compra das cassetes e até numa t-shirt que ambicionei durante demasiado tempo.
O orgulho em gostar de uma música tão especial era tanto que me apetecia berrar aos céus que os adorava. Explicar como os adorava, o porquê e porque eles eram, sem sombra de dúvida, os melhores do mundo e arredores. Como contei no post anterior, infelizmente não gostei muito tempo dos Nirvana antes do Kurt Cobain ter falecido (como não acredito na história do suicídio, nunca direi que isso possa ter acontecido mas esta parte fica para um post posterior, escrito num dia em que esteja suficientemente frustrada com a vida de forma a transparecê-lo para aqui). Num Sábado de manhã, mal tinha acordado e, já estava a ouvir na rádio essa realidade. Senti-me perdida. imaginei que não podia ser possível. Eu queria continuar a crescer, a ouvi-los, a ter a possibilidade de ir a um concerto mesmo não podendo. Durante muito tempo não aceitei a veracidade dos factos, não me conformei e comecei a tornar-se numa adolescente frustrada. Muito frustrada. Uma altura houve em que me senti tão irritada e frustrada que nem conseguia ouvir as milhentas cassetes que já tinha em casa e preferia não pronunciar sequer os nomes deles. Julgava que ouvia uma coisa que já não existia, que tinha morrido no dia em que o coração do Kurt Cobain deixou de pulsar. Um grande amigo dessa data encontrou-me no outro dia, e lembrou-me que eu escrevia várias músicas dos Nirvana, do início ao fim, nos cadernos dele enquanto as cantarolava. Todos sabiam desta minha paixão assolapada, até alguns dos professores da época.
Quem não consegue entender a ferosidade das músicas. O som característico de toda uma alma conturbada. Quem não entende aquele fechar doloroso de olhos quando canta o Where do You Sleep Last Night no Unplugged in New York. O cansaço de milhares de fãs que o adoram como músico mas nunca perguntaram como ele seria como pessoa. De como nem sempre é simples cantar para milhões de pessoas com as quais apenas consegue sentir empatia, não sabendo se elas apenas gostam do Kurt músico, esquecendo-se da pessoa sensível, carente e cheio de amor para dar a quem o merecesse. Alguém que cresceu saltitando de casa em casa, sem uma família estável que lhe soubesse dar um afecto quando ele mais necessitava. Uma desilusão de ver a sua adorada família trespassada por uma separação que antes dos 10 anos é difícil de entender. Um crescimento demasiado rápido para ser feito de uma forma saudável. É assim que entendo que ele seria. Sensível, carente, desejoso de conhecer quem o amasse pelo que ele era e não por ser uma estrela rock.
Em quantos concertos ele cantava com a boca junto ao microfone, os olhos fechados, o cabelo levado pelo vento, de uma forma calma, transparecendo toda a raiva que lhe ia na alma, tudo o que sentia e não conseguia transparecer de uma forma racional para as suas letras. Apenas de uma forma abstracta, até porque a maioria das letras dos Nirvana não tem um início, desenvolvimento e final completos e lógicos. Mas sim um misturar de emoções e sentimentos, misturados com muita energia e muitas histórias entendidas nas entrelinhas. Não é fácil compreender os Nirvana, e muito menos o Kurt Cobain. É uma personagem enigmática para a maioria das pessoas, para mim nunca o deixou de o ser.
No final da sua curta vida, sinto que ele estava cansado de ser uma rock star com tudo aquilo que isso implica. Que preferia optar por estar na sua casinha, sossegado a fazer música para os netos, e não para um público amorfo que histericamente apenas o adorava como rock star. E ele era bem mais do que isso. As drogas seriam um dos seus problemas, mas não seria a causa de uma morte sem sentido, sobretudo quando existia uma criatura linda com a qual queria passar o resto da sua vida. Um dia ele disse: "prefiro ser odiado por quem sou do que ser amado por aquilo que não sou." E penso que é uma frase suficiente rica para tirarmos as nossas conclusões.
O carisma não passa despercebido a ninguém. Músicas como Rape Me, Drain You, School, Big Cheese (o meu álbum preferido, ao contrário da maioria, é mesmo o primeiro)e tantas tantas outras espelham o que ele era por dentro, de uma forma confusa que as suas letras não são fáceis de percepcionar. A facilidade com que ele tocava e cantava a Polly, a raiva que imprima na Territorial Pissings, a boca que mal se abria mas de onde saiam verdadeiros berros sonoros com muito desespero pelo animar das hostes. Já ouvi explicações estranhas sobre o significado das letras, outras sem sentido, outras incompletas e que não espelham quem era o autor das ditas canções. O modo divertido e espontâneo com que tocava cada música não é habitual, e nunca mais encontrei nenhuma banda assim.
Infelizmente nunca os pude ver ao vivo. Algo que me deixa totalmente incompleta como fã, por não sentir a vibração vinda das guitarras, dos acordes, do grunge que todos eles respiravam. Não faço ideia do que poderia pensar e sentir, mas certamente seria um dos melhores dias da minha vida. Não consegui escrever um texto bonito como o Marco, até porque acho que este meu "amor" pelos Nirvana é bastante menor do que o amor dele pelos Pearl Jam, até pelo simples mas importantíssimo facto de já os ter visto ao vivo muitas vezes. Ter sentido tudo aquilo que nunca poderei sentir. Por um lado imagino, por outro sinto pena, mas não hei-de ir embora deste mundo sem concretizar o meu sonho de Seattle, Aberdeen, todos os cantos e recantos, bares e cantinhos onde os Nirvana pisaram o solo. Sentir o local onde tudo nasceu. A boa música, o denominado grunge, não se fica pelos Nirvana, porque também existem os famigerados Pearl Jam, Soundgarden, Alice in Chains, Melvins, Smashing Punpinks e tantos, tantos outros.
E uma pessoa só morre quando nos esquecemos dela, não é?
Para sempre, Nirvana!!
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