Mais de quinze dias passados o tema ainda permanece nos cafés, os directos sucedem-se nas televisões, ao almoço e ao jantar a pergunta repete-se diariamente: "Já se sabe mais alguma coisa da menina inglesa?"
Confesso que há muito para falar sobre isto, sobretudo no que diz respeito ao comportamento dos media portugueses e ingleses, mas o mais importante é destacar que Madeleine não foi a única criança que desapareceu em Portugal... para não mais voltar! E isto começa a indignar muitas pessoas, depois de nos habituarmos à ausência da criança, nos familiarizarmos com esta história, e nos mentalizarmos que ela só poderá ter um final... que não será, certamente, muito feliz. Começamos a pensar nas outras que desapareceram e ainda não surgiram... anos e anos depois! Os números não são exactos, com uns media a ditarem 8, outros 12, e outros mais de duas dezenas de crianças desaparecidas em Portugal e que ainda não foram encontradas. Para mim, basta que tenha desaparecido uma para o assunto se tornar bastante, demasiado, grave!
Esta questão foi amplamente debatida no Prós e Contras de há uma semana atrás: "porque não foi dado este mediatismo aquando do desaparecimento de outras crianças portuguesas? Será preciso termos uma desaparecida de nacionalidade estrangeira para ser dada tamanha importância ao caso?" As respostas não foram dadas com clareza. Entre desculpas vãs de, "agora estamos mais atentos a estes casos", a "os media ingleses deram um grande destaque, o que ajudou o mediatismo", não justificaram nada! A indignação da mãe de uma criança desaparecida há muitos anos, talvez por não ter sido dada a mínima importância ao caso do seu filho quando ele desapareceu sem ela saber que rumo tinha tomado, chocou-me. E envergonhei-me por viver num país em que os "os outros, os de fora" parecem ser mais importantes, ou pelo menos, ser-lhes dada mais importância, do que a nós próprios. Até a estadia em Portugal dos pais de Maddie, o governo se prontificou a pagar... Talvez também devesse ponderar pagar as consultas de psiquiatria, os internamentos e medicamentos da mãe daquela criança portuguesa, que mal conseguia falar no Prós e Contras...
Parece um discurso demasiado patriótico este, mas não o é nem tenta sê-lo. Obviamente que acho que o mediatismo, até certo ponto (bastante ultrapassado neste caso...), pode ajudar no aparecimento de desaparecidos. Mas também acho que essa "ajuda" devia ser permitida a todos, e não apenas a alguns, aos que têm maior possibilidades financeiras ou maiores poderes. Sempre defendi um tratamento igual para todos, pretos, brancos, ricos, pobres, chineses, marroquinos... e isso também nos engloba, a nós portugueses, e é neste ponto que discordo.
Devíamos, todos nós, meios de comunicação incluídos, ter mais amor e preocupação àquilo que se passa no nosso país, não descurando, obviamente o resto do mundo. Há tanta coisa que merecia ser referenciada nos meios de comunicação social, tanta coisa merecedora de discussão e mediatismo, procura e investigação, que ter este olhar redutor me faz uma certa confusão.
Ricardo Dias Felner do Público reflecte exactamente sobre o comportamento dos media no caso da menina inglesa: da quantidade de versões ditas e desmentidas no mesmo dia ou em dias seguintes, da quantidade de pessoas destacadas para o Algarve, no exagerado mediatismo que o caso atingiu, um pouco por culpa da Sky News, com mais de três dezenas de pessoas apenas para cobrir o caso de Maddie. No inferno em que se tornou a vida dos familiares, amigos, colegas de trabalho do único suspeito até há uns dias atrás, Robert Murat. Na casa onde residia com a mãe, vigiada 24 sobre 24 horas por dia, sem eles saberem bem o que queriam que saisse daqueles portões.
Cada jornalista permanecia no sul do nosso país na esperança de encontrar algo que pudesse ajudar a polícia nas investigações. Como se de uns verdadeiros detectives se tratassem! Mas o facto, já ponderado por muitos, é que tanto mediatismo tem um lado menos positivo. Por um lado, permitiu que a imagem de Maddie viajasse pelo mundo fora, indo do Festival de Cannes à final da Taça de Inglaterra. Mas por outro lado, isso pode ter prejudicado Maddie, onde quer que esteja. Ter em posse uma criança, com uma cara conhecida e procurada mundialmente, pode não ter ajudado na permanencia da sua sobrevivencia.
Comentários