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Dia da Liberdade, do Grito, dos Sorrisos e dos Cravos

Hoje comemora-se o 33.º aniversário do fim da ditadura que subsistiu em Portugal durante 48 (longos) anos. Com esta revolução deu-se uma mudança enorme na sociedade portuguesa, sobretudo no que toca a liberdades, de todo o género. Foi uma realidade a que não tive acesso directo, mas por via das inúmeras histórias já escutadas e lidas, não posso também deixar de festejar e agradecer aos militares que nos proporcionaram a vida que temos hoje. Ao meu preferido em especial, Salgueiro Maia, mas a todos os outros, desconhecidos por via das circunstâncias, mas igualmente com um papel fundamental na revolução dos cravos.

Ao pensar na sociedade de então e nos dias de hoje, notamos diferenças abismais, sobretudo no que toca à qualidade de vida. Vejamos:
  • Os divórcios eram reprimidos; as mulheres não podiam ter uma vida activa. A sociedade era analfabeta, e inúmeras (acredito que a maioria...) crianças andavam descalças e viviam na mais extrema pobreza.

  • Muitos livros, filmes e canções estavam proibidas pela Censura. Todas as artes eram censuradas e a comunicação social vivia amordaçada e dependente das vontades de um poder político autoritário, e de um risco do "lápis azul".

  • A maioria da população não dispunha de frigorífico (engraçado pensar nas arcas com sal que serviam de frigorifico aos meus avós... disso lembro-me vagamente), televisor (havia uma casa ou outra nas aldeias que tinham televisão, e onde se reunia a aldeia em peso para ver o "ecrã mágico".. já ouvi inúmeras histórias deste género!), telefone ou casa de banho!

  • As piadas ou críticas ou qualquer tipo de comentário pejorativo sobre as autoridades eram proibidas, e quem ousasse fazê-lo era preso. Há muitas histórias de vizinhos que denunciaram ou ameaçaram fazê-lo, o que gerava um medo diário constante.

  • Manifestações ou greves eram totalmente proibidas, bem como a formação de partidos ou organizações políticas. O Partido Comunista teve aqui um papel de Coragem, porque ousou enfrentar o autoritarismo sem medo, e ter um partido, ainda que na clandestinidade.

  • Era necessário ter licença para possuir um isqueiro ou transistor a pilhas. O lado positivo era a quase inexistente propagação de fogos florestais. Quando estes ocorriam derivavam de queimadas, feitas usualmente como método de melhorar as culturas na agricultura.

  • A agricultura era feita com charruas medievais e tracção animal. O movimento rodoviário era feito por carroças e carros de bois. Obviamente que haviam os comboios.

  • O pronto-a-vestir era inexistente e a Coca-Cola era proibida.

  • Havia torturas nas cadeias provocada pela polícia política, e muitos presos políticos nas prisões. Quando falamos em tortura falamos em passar meses e meses e meses cobertos de água pela cintura ou pelos braços, ou passar semanas agarrados pelas mãos e pelos pés, a tortura do sono, etc.... memórias e histórias que ninguém aviva nos dias de hoje. Acredito que muitos não saibam o que foi e para que serviu o Tarrafal...!

  • Portugal era um país sem eleições e direito de escolha... a única escolha que existia era a da sobrevivência para escapar à fome e à pobreza. Um país repleto de analfabetos, e mortos ou estropiados em três guerras.

Nas comemorações do Parlamento, Cavaco Silva não falou nos velhinhos e criancinhas como no ano passado, mas defendeu uma mudança nas comemorações do 25 de Abril. Falou numa mudança que cativasse os jovens, os que não viveram o 25 de Abril de 1974. Concordo com ele! Penso que estar uma manhã inteira, como eu fiz, a ouvir discursos de todos os partidos políticos assentes no Parlamento, não me diz muito e não me faz entender tudo o que se passou nesta época. Preferia, e isso iria engrandecer ainda mais as comemorações, ouvir os relatos dos muitos militares participantes neste dia importante. Mesmo dos desconhecidos, dos que caminharam ao lado de Salgueiro Maia mas que ficaram no anonimato dos anos. Queria, e quero!, ouvir o que sentiram quando perceberam que tinha chegado a era da liberdade, quando entenderam que tinham mudado Portugal. Queria ouvir os presos políticos sobreviventes, as suas experiências e histórias... queria que me demonstrassem como decorria a vida na prisão, no que falavam, o que sentiam, se acreditavam que algum dia iriam sair dali com vida. Queria ouvir da boca deles, se valeu a pena e se Portugal está como ambicionaram...!

É disto que sinto falta como jovem que não experienciou este dia de Abril. Quero ouvir ainda mais histórias, ouvir as mágoas de todos (mesmo todos!) os que participaram na revolução. Quero sentir o mesmo que eles sentiram, para conseguir entender a dimensão deste dia. Para além disso, julgo que não só o 25 de Abril como os acontecimentos que lhe seguiram (Verão Quente, 25 de Novembro, FP25, etc.) estão muito mal explicados e gostava de os entender na sua totalidade. Era disto que se devia falar hoje, relembrar para ficar bem marcado na memória. Não encarar o dia como sendo tabu, ou com pormenores de que ninguém quer ou gosta de falar.

A televisão pública merece um engrandecimento por ter programado a tarde de hoje para programas relacionados com o 25 de Abril. Mas precisamos de mais, para que este (mais!) importante dia do século XX nunca seja esquecido. Nem pela minha geração, nem pelos mais novos. Necessitamos dos testemunhos enquanto eles podem ser dados, necessitamos de todas as histórias, vivências e sentimentos de todos os portugueses que viveram o dia da revolução. Necesitamos de perguntar a todos, a famosa questão: "onde estavas no 25 de Abril?", e a partir daí construir uma história e memória de todos os que quiserem não esquecer a sua experiência.

P.S.: Este ano Cavaco Silva voltou a aparecer sem o cravo na lapela. Continuo sem entender... não é muito grave, mas acho de uma falta de respeito grandiosa pelos capitães de Abril. Pode ser apenas um símbolo, mas é um símbolo que o chefe máximo da nação deveria usar no dia em que se comemora a liberdade...!


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