«George W. Bush justificou ontem a presença americana no Iraque com a necessidade de combater um terrorismo islâmico que mais não é que o sucessor do nazismo, do fascismo e do comunismo.
O mundo de Bush, dos seus estrategos e dos seus indefectíveis, é assim, a preto e branco, como nos filmes de cowboys. Há os bons e os maus. Sendo que a bondade que atribuímos a nós próprios se constrói a partir da diabolização de um inimigo. Pouco importa que rosto ou motivações tem esse inimigo. Importa mesmo que não tentemos percebê-lo, porque assim se torna mais fácil tudo confundir. Só dessa forma a História nos pode fornecer permanentemente um eixo do mal, que nos quer abater e que, em última instância, se torna razão da nossa existência. Os nossos valores já apenas se afirmam por oposição.
É por isso que, no mundo de Bush, Hitler, Estaline, Fidel Castro ou Ben Laden são a mesma coisa - inimigos. Da democracia e do Ocidente, numa difusa mistura em que predomina mais a religião que a política.
Foi essa cegueira conceptual que nos conduziu ao patamar mais perigoso que o mundo viveu desde as ameaças reais de uma crise atómica.
A seguir ao 11 de Setembro, a América reagiu da melhor maneira. A invasão do ninho de terroristas do Afeganistão e o reforço das medidas de segurança interna, mesmo com sacrifícios das liberdades, mereceram aplauso geral e, passados cinco anos, o balanço é francamente positivo.
Mas a pulsão evangelizadora da Casa Branca confundiu um simples, embora sanguinário, ditador com um patrono de terroristas e o mundo foi conduzido para um atoleiro de consequências mais nefastas do que a mera enunciação diária da lista de dezenas de mortos em atentados.
A aventura do Iraque, pela desmesura de meios despendidos tendo em conta os resultados, as fundas divisões que criou na comunidade internacional e a descredibilização da própria América, fragilizou irremediavelmente o lado "dos bons".
Agora que o mundo está, de facto, perante a ameaça real de um Irão radical, apoiante de terroristas, a trabalhar para a bomba atómica, pouco mais podemos fazer que aguardar estupefactos por um improvável assomo de bom senso. Porque, seja o que for que a América ou "nós" fizermos para conter os fanáticos de Teerão, teremos sempre de contar com a resposta do vespeiro de terroristas que Bush criou ali ao lado, no Iraque.»
João Morgado Fernandes, Diário de Notícias
E depois de tudo o que já aconteceu, que deveria servir para tirar conclusões obvias ainda há quem não entenda o que neste momento está em causa. Continua a defender a guerra acima de tudo, mesmo com as consequências que daí advirão.
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