Na passada semana uma parte substancial da comunicação social divulgou, com o habitual espalhafato, que eu tinha determinado que só proporia apoios financeiros da Câmara do Porto se, quem os recebesse, se comprometesse a não criticar a gestão do Executivo por mim liderado.
Esta falsidade, noticiada com o necessário destaque, era obviamente um pressuposto decisivo para se conseguir induzir nas pessoas o pensamento desejado: "O homem, eleito pela direita, não é democrata e quer a censura."
E, como sempre, assim foi! Intelectual e politicamente parqueados em torno do mediaticamente correcto, articulistas, jornalistas, habituais clientes de subsídios públicos, gente-que-gosta-de-botar-faladura-para-os-jornais-mesmo-sem-conhecer-o-assunto, prosadores do regime, todos de esferográfica em punho e num exercício intelectual de elevadíssima originalidade, condenaram, sem vacilar, quem tomou uma medida tão ignóbil e primária.
O acusado procurou explicar que não era assim. Falou mais de dez minutos para mais de dez jornalistas. Repetiu à exaustão que o que está em causa é o bom senso e o respeito mútuo. Que a restrição se confina a não criticar a câmara apenas no âmbito do que, por ela, é apoiado. Que se aceita a crítica em tudo menos naquilo que é objecto de acordo; por ambas as partes assinado. E que as entidades públicas também se têm de dar ao respeito, sob pena de perderem autoridade e credibilidade.
Só que, tal como noutras lamentáveis ocasiões, a explicação do acusado não podia ser divulgada de forma clara. Tinha de ser embrulhada com mais prosa e com títulos sugestivos, porque, se fosse publicada linearmente e sem hipocrisia, o consumidor da (des)informação deixaria de pensar que "o homem, eleito pela direita, não é democrata e quer a censura." Por isso - seguramente em nome da tal liberdade de imprensa - não deixou de haver quem tivesse tido o indispensável cuidado para não estragar a ideia que já se tinha conseguido instalar nos leitores mais ingénuos.
E a Democracia ?
A informação isenta e independente é um dos pilares da democracia. Sem ela, o cidadão não está em condições de escolher e de acompanhar, com consciência, a governação.
Por isso, e porque esconde factos de relevo para a compreensão global, a censura é inadmissível. Mas a mentira ou a meia verdade ainda é pior do que a censura. Porque se a censura esconde, a mentira manipula e induz o raciocínio do cidadão. Para um democrata, a manipulação é de uma violência inaceitável e, por isso, é repugnante.
Numa ditadura, pior que a censura é a manipulação dos factos e do pensamento. Por isso, as piores ditaduras não foram exímias na censura, foram-no na manipulação e na mentira.
A manipulação que uma parte substancial da comunicação "social" fez deste assunto municipal é apenas mais um episódio. Para alguns com intenção política. Para outros com intenção comercial. Isoladamente vale pouco - até porque subsídios é coisa que eu quase não dou.
Só que esta perigosa atitude não constitui excepção. Não será ainda a regra. Mas é claramente um fenómeno preocupante que, há muito, se vem alastrando na sociedade portuguesa, e vem minando gravemente o regime que queremos democrático na sua plenitude.
Numa democracia, a comunicação social não pode ser o espaço onde, impunemente, alguns podem dizer o que querem sobre quem querem - usando meias verdades e enganando as pessoas, sem que estas tenham acesso à reposição da verdade. Elegendo alvos a abater, sem que estes tenham armas idênticas para se defenderem. Publicando mentiras em primeira página, e desmentidos (quando publicados) em letra pequena e em página secundária.
Porque estamos perante um pilar do regime, não devemos permitir que se continue a actuar com laivos de totalitarismo e sem respeito por valores fundamentais da democracia.
Ao se persistir em não tomar medidas, uma de duas coisas terá de acontecer. Ou os cidadãos compram cada vez menos jornais e consomem cada vez menos informação, porque perdem a confiança. Ou o poder é entregue, em larga escala, à minoria que tem nas mãos o poder para manipular a "verdade oficial".
A evolução tem ido mais no sentido da primeira hipótese do que da segunda, mas, seja ela qual for, será sempre dramática para a democracia.
Vai, por isso, sendo tempo que, em vez de se preocupar em excesso com a sua própria relação com os media, a maioria dos políticos, com responsabilidades nesta matéria, tivesse a coragem de defender a democracia e a liberdade, aprovando medidas legislativas adequadas a uma democracia adulta e responsável.
Rui Rio, in Diário de Notícias, 9 de Julho de 2006
Em primeiro lugar sr. Rui Rio, não houve qualquer tipo de espalhafato por parte da comunicação social. Mas a falta de liberdade de opinião que a sua decisão acarreta é muito grave no país democrático que Portugal ainda é. E obviamente que isso teria de ser publicado e referenciado nos orgãos de comunicação social de uma forma isenta e imparcial. Foi isso o que aconteceu, ou pelo menos eu não tive acesso a qualquer tipo de notícia menos fundamentada. Vivemos num estado democrático e há certos valores que são demasiado valiosos para serem postos em causa, e sobretudo por alguém com o seu cargo. Já não é a primeira vez que toma atitudes menos democráticas, e talvez por isso os media e os seus opositores políticos estejam mais atentos a tudo aquilo que se passa na sua Câmara. Ainda bem que assim é, porque significa que esses valores fundamentais não são apenas importantes para uma minoria dos portugueses.
Em segundo lugar, a frase da sua autoria: "O homem, eleito pela direita, não é democrata e quer a censura.", não me parece tão inverosímel neste caso, e noutros tantos que o senhor já nos proporcionou. Só os mais desatentos é que não se lembram das inumeras atitudes pouco democráticas que o senhor já tomou. Não sei se é democrata como diz, até porque as pakavras nos dias de hoje já pouco importam. O mais importante são as nossas acções, e por isso aconselho-o a pensar seriamente naquilo que faz para demonstrar o quão democrata é.
Em terceiro lugar, leio o texto, leio novamente e re-leio e continuo sem entender onde está a meia verdade, ou a meia mentira. Afinal o que omitiram os meios de comunicação social? Fiquei sem entender... tanto discurso para falar da democracia, isenção do jornalismo, bla bla bla e no final de contas não defendeu a sua posição. Fala do respeito que devemos ter pelas instituições públicas, mas esse respeito não significa a inexistência de críticas! Desde que sejam bem fundamentadas, não vejo onde possa haver falta de respeito... Respeito e bom senso... não foi com um discurso semelhante que Salazar defendia a existência da PIDE, e do resto que felizmente não conheci mas já ouvi falar!
Comentários
Por isso não entendo do que se queixa o Rui Rio.. aliás, acho que ninguém entendeu! Porque ele limitou-se a dar uma lição de moral mas sem dzer que mentira é que os media divulgaram!
Pena que este assunto não tenha sido mais discutido por causa do futebol (se bem que apareceram inúmeros artigos de opinião sobre isto, sobretudo no Público)...mas um dia ainda vamos tdos descobrir a verdadeira faceta deste "democrata"...