Um campeonato mundial como o que se disputa agora na Alemanha consegue atrair duas vezes mais telespectadores do que uns Jogos Olímpicos. Mas, ao mesmo tempo o futebol não consegue apagar as identidades nacionais: pode desencadear paixões mas simultaneamente libertar sentimentos menos nobres do ser humano, como os insultos ao seu semelhante unicamente porque tem uma cor de pele diferente. Não significa que o futebol seja um desporto racista, o que na verdade acontece é que o racismo na sociedade reflecte-se no futebol.
O fenómeno do racismo não é recente. Já nas décadas de 70 e 80 em Inglaterra se observavam actos racistas nos estádios: atiravam bananas e amendoins a jogadores negros quando estes entravam nos relvados e faziam o aquecimento, sem esquecer os sons guturais imitando os macacos. Até mesmo os próprios dirigentes faziam eco de ideias estereotipadas acerca dos jogadores negros: “Eles têm uma falta inata de disciplina e consciência (…) não gostam do frio (…) “não são bons a jogar na lama (…) têm falta de resistência”. E juntamente com as observações sobre as capacidades físicas, vinham também os comentários sobre as suas alegadas limitações intelectuais. Eram grupos organizados como a Frente Nacional (NF) e o Partido Nacional Britânico (BNP) que eram os veículos para a transmissão das ideologias racistas dentro dos estádios. Apesar de não terem sucesso no meio político, estes grupos neofascistas conseguiam atrair a atenção pública nos jogos de futebol duma forma que lhes era negada noutro campo.
Também em Portugal existe este problema. Muitos jogadores negros, brasileiros ou africanos contratados por clubes portugueses se queixam de atitudes racistas por parte dos espectadores. Essas atitudes são muitas vezes designadas como o “som do macaco”, o “guh! Guh! Guh!”, que pretendem desconcentrar o jogador de cor que mantém a posse da bola, mas que acabam por afectar toda a equipa. Segundo os jogadores “há mesmo diferenças geográficas, pois registam-se mais casos no Norte que no Sul, no interior do que no Litoral, nas pequenas localidades do que nos centros urbanos.” Este tipo de comportamentos, altamente reprováveis, são explicáveis por factores como os índices culturais, o grau de escolaridade, a educação. É um total retrocesso numa sociedade que se desejava mais tolerante (principalmente depois dos erros do passado!) e mais preparada para a convivência entre as diferentes raças.
O Serviço de Informações de Segurança (SIS) confirmou recentemente que os movimentos de extrema-direita têm crescido de forma exponencial e que os principais meios de recrutamento de militantes são a Internet e as claques de futebol. Segundo o relatório de Segurança Interna do SIS “os grupos extremistas continuam a investir nos meios “hooligan” com efeitos directos no agravamento da violência planeada e enquadrada por objectivos políticos no futebol nacional”. Os grupos fascistas e racistas têm utilizado os campos de futebol não só para recrutar membros e divulgar as suas ideias, mas, mais importante do que isso, para lançarem os seus pontos de vista de maneira simples e directa para dentro de milhões de lares. Conseguem uma campanha publicitária maior e mais barata num jogo importante do que em anos de campanha política convencional.
As preocupações com os actos de racismo levaram a Federação Internacional de Futebol (FIFA) a alterar um artigo do seu código disciplinar no sentido de punir as equipas cujos adeptos se entregassem a comportamentos racistas. Sepp Blatter, o presidente da FIFA veio dizer publicamente em Abril que este artigo também iria estar em vigor durante o Mundial, e que seriam tirados 3 pontos às equipas cujos adeptos tiverem comportamentos racistas. No entanto, dias depois, veio esclarecer que a regra apenas poderia ser aplicada no caso de comportamentos racistas dos próprios jogadores ou dos dirigentes, e não dos espectadores, que poderiam vir a aproveitar-se dela para desvirtuar os resultados dos jogos.
Em Janeiro de 2006 Kofi Annan, secretário-geral das Nações Unidas, reuniu-se com Blatter e apoiou o papel que o futebol desempenha no desenvolvimento mundial, podendo “promover a paz mundial e a tolerância” e ser “um catalisador para as mudanças positivas no mundo”. Será que a extrema-direita o ouviu?
O Campeonato Mundial de 2006 na Alemanha já começou e conta com a presença de 32 países. O terrorismo é uma das preocupações das autoridades alemãs e por isso haverá aviões de vigilância AWACS da NATO a patrulhar o espaço aéreo da Alemanha, tal como aconteceu com os Jogos Olímpicos de Atenas em 2004. Mas a prioridade das autoridades alemãs será evitar o confronto entre adeptos, os roubos e ainda os actos de vandalismo. Por isso mesmo, foram colocados 35 mil polícias nas ruas, juntamente com 7000 soldados que estarão prontos para prestar apoio caso seja necessário. Cerca de 400 agentes de outros países ião colaborar com os seus colegas alemães, que neste momento dispõem já de uma base de dados com os nomes de 6800 “hooligans” habituais.
Em finais de Março, grupos de extrema-direita de toda a Europa estiveram reunidos em Braunau-am-Inn, a terra natal de Adolfo Hitler, no Norte da Áustria, para discutir formas de causar perturbações durante a competição. Em Janeiro deste ano, o Sunday Times de Londres noticiava que grupos de extrema-direita do Leste da Europa estavam a planear uma série de acções racistas contra os jogadores negros da selecção inglesa. Grupos da Sérvia, Croácia e República Checa concordaram em pôr de lado as rivalidades tradicionais durante o Mundial e atacar em especial os “jogadores negros ingleses porque estão a tirar o lugar aos jogadores brancos”. Também os jogadores da selecção alemã foram alvo de actos de racismo. Gerald Asamoha, nascido no Gana e jogador da selecção alemã (o primeiro negro a integrá-la) foi vítima da Schutzbund Deutschland (Liga de Protecção da Alemanha) originária da parte oriental do país, que espalhou autocolantes pelas ruas, com a fotografia do jogador e com a frase: “Não, Gerald, tu não és Alemanha”. Também Patrick Owomoyela, nascido na Alemanha mas filho de um nigeriano foi vítima do Partido Nacional-Democrata Alemão (NPD) que divulgou fotografias online do jogador com a legenda “Branco. Algo mais do que a cor da camisola. Por uma verdadeira selecção nacional.”
Mas um dos casos mais mediáticos foi mesmo o do camaronês Samuel Etoo, avançado do Barcelona. Em Fevereiro de 2006 ameaçou abandonar o jogo contra o Saragoza, como protesto contra os insultos racistas de que estava a ser alvo. O treinador, o árbitro e vários companheiros convenceram-no a voltar ao jogo e o incidente terminou com a aplicação de uma multa de 9000 euros ao clube do Saragoça. Mas este não é o único caso de racismo no futebol, e o mais grave é que as manifestações de racismo não se restringem apenas aos estádios de futebol.
Hoje é o primeiro jogo da selecção portuguesa, que irá jogar com Angola, equipa totalmente constituída por jogadores de cor. Espero que nada disto suceda, porque é de facto um retrocesso na nossa civilização! É o desmoronar de um mundo construído pelos nossos avós, o cair da crença na tolerância, o derrotar da liberdade, igualdade e fraternidade, as grandes máximas que muitos já se esqueceram! O futebol parece mudar muita coisa… com a força dos dirigentes, jogadores e principalmente dos adeptos, poderia mudar-se este problema fulcral para o desenvolvimento do mundo! Mas só com a vontade de todos!
É um assunto que me preocupa, talvez mais do que o preço do barril do petróleo, porque a sensação que tenho é que o racismo está a crescer de forma exponencial, principalmente com o advir da Internet! Na terça-feira à noite passou uma reportagem na RTP sobre os skinheads portugueses e o Partido Nacionalista Renovador. Aí foi feita uma pergunta fulcral ao presidente deste partido: “Se tivesse de escolher, o que escolheria: a liberdade de expressão ou a segurança?”. Ao que ele escolheu prontamente que escolheria a segurança. Para mim era uma escolha inconcebível, porque uma coisa não interfere na outra e porque a liberdade de expressão é o início de tudo. Se não tivermos liberdade… não poderemos viver em igualdade! E iremos esquecer a fraternidade! Não foi isso que foi advogado no século XVIII? E em 1974, afinal o que foi defendido?
Assusta-me quando ouço pessoas da minha idade a desejar a morte (sim! Já tive de ouvir!!) aos pretos, ciganos, estrangeiros, ou a simples expulsão deles do nosso país. Porque eles são os causadores do desemprego (como se eles roubassem o emprego a alguém… pelo contrário, eles fazem o que nós portugueses não queremos fazer)… não consigo entender! E fico estupidificada… talvez porque tive um avô que esteve emigrante durante 11 anos (porque o país dele na altura estava transformado numa Ucrânia actual!) e não foi fácil para ele… e não quero que seja tão difícil para os outros! Ou talvez porque sou tolerante e acredito num mundo onde todos tenham as mesmas hipóteses, sejam pretos, verdes, amarelos, cinzentos ou vermelhos! Mas afinal qual é a diferença?
Comentários
Beijo.
Aliás, esta semana vem tambem qq coisa sobre racismo, skinheads, etc etc... vi a foto na capa!
Terça vou ter muito que ler ;)Obrigado pela recomendação, vou mesmo ler... é uma assunto que me interessa muito, e preocupa ainda mais..
Bjinhos
Amanha já deve dar para ler :)
Xuack *